10 de dez. de 2008

“Dorme minha pequena, não vale a pena despertar...”

(Acalanto para Helena, Chico Buarque)

Quando quero fugir de uma situação, de uma pessoa que bate na porta, de um compromisso, de um poema, de uma ligação, dessa obrigação do se relacionar, do sorrir educadamente, do dispensar gestos e palavras que necessitam um pouco de esforço para surgirem naturalmente, eu morro. Fico morta o maior tempo que for possível. Morro algumas vezes na minha cama ou no meu sofá, outro dia dei até para morrer enquanto me encostava na janela.
Morro de cansaço, de stress, de preguiça, de fome, de vontade. Minha morte é um ato premeditado, como não teria coragem de me matar de verdade e se me arrependesse não teria como voltar, fecho os olhos. Fecho o quanto mais eu puder dos olhos, até que os cílios se abracem de tal forma que seriam capazes de nunca mais se soltarem.
Morro. A pálpebra encerra o meu contato com o mundo, cortinas do teatro, lacres propositais. Não quero nenhum contato, não quero sons, não quero pele, não quero gosto. Me coloco para dentro de mim, me recolho com cuidado de como se qualquer movimento brusco fosse capaz de me quebrar, me repartir, me retirar um pedaço que fosse importante ou que fosse precioso demais para ser perdido.
Não é dormir, não é pensar. Não quero nada na mente, não quero nenhum movimento involuntário do corpo. Respiro fraquinho, mas ainda consigo sentir o ar como uma ventania me penetrando o nariz: é isso, mais nada. O ar, essa necessidade invisível é o que me deixa no laço fragilíssimo com a vida.
Me retiro da cena, não exijo papéis, não decoro falas prontas. Morro. A sensação é mesma de quando nos colocamos por trás da janela e olhamos para fora sem ver, pensamos sem saber no quê. Imóveis. Perdidos dentro da própria casa, menores ou maiores que o corpo, às vezes fora do corpo. Perdidos de nós mesmos. Perdidos mas pedindo: “Por favor, alguém me encontre, alguém me cuide, alguém me leve para casa e me conte histórias até que eu adormeça.”
Um pedido de salvação, uma oração que dispensa o nome de Deus. Esse silêncio é meu grito. Essa forma de morrer é uma súplica para um convite para a vida.
Morro como uma fuga das coisas que necessitam de mim. Não há morte que seja heróica, morrer é uma covardia, embora que ela me exija ser forte. Uma coragem covarde, quase uma epifania. Um abismo antes do último passo até o milagre.
.
.
(Cáh Morandi)

9 comentários:

Anônimo disse...

Sempre tive vontade de descrever minha morte diária. Nunca o fiz.
Tu o fizeste com a sinceridade triste que acumulamos quando morremos.
Obrigada.

Kéli Graziéli disse...

Adoro ler tuas crônicas...
Quando leio... parece que elas estão saindo de dentro de mim...
Vc descreve as emoções como se fosse tão fácil falar sobre elas...

Simples, claro e lindo!
Perfeito!

Conquistou mais uma fã!

Abraço!!!

Lucas Cassol Gonçalves disse...

O nome disso eh amadurecimento.

Parabens!

Saludos,

Regis Passos disse...

palavras bem colocadas que me descreveram minhas "mortes" tão nescessárias para que a vida, frágil se frutifique...

Anônimo disse...

É nessa morte voluntária que nos refazemos para loucura que nos cobra a vida!
Perfeito! amei...

Anônimo disse...

É nessa morte voluntária que nos refazemos para loucura que nos cobra a vida!
Perfeito! amei...

Anônimo disse...

rafael:ficou muito bom ,gostei muito dessa cronica

Unknown disse...

Belíssimo o texto. Achei-a por acaso, porque procurava um verso de Acalanto... Parabéns...

thali* disse...

oi querida, devo lhe informar que copiei suas palavras que se fazem perfeitas para o momento que estou vivendo. Publiquei no meu blogger...apenas com uma diferença um título meu. Amei seu blogger e suas palavras. beijos.